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segunda-feira, dezembro 20, 2010

PÃO QUENTINHO - CXXXI‏


PERDAS & DANOS

Normalmente lidamos mal com as perdas. Ninguém gosta de ser privado daquilo que possui.  Fica um vazio, um buraco na alma, um gosto acre na boca. Mas a vida é feita de perdas, faz parte do crescimento de nossa humanidade. Se a vida constituísse apenas de acúmulos,  talvez a primeira conseqüência fosse uma incapacidade de dar a devida importância àquilo que se possui, já que nunca haveria de perde-lo.

Temos muito a aprender com as perdas. Ao saber que podemos não ter mais aquilo que amamos, tendemos a valorizar, estar mais junto a eles, e aproveitar de sua presença. Cada minuto que passamos ao lado de alguém, onde reconhecemos nele a finitude e a transitoriedade, leva-nos a tornar aquelas horas de mais profunda devoção.

A inevitabilidade da perda nos faz mais sensíveis, ternos e afetuosos. Consideraríamos doar tudo o que possuímos para ter de volta alguns minutos com o filho amado agora distante, a mãe que partiu, ou o pai com Alzheimer, que não reconhece mais os seus.  Só posso mensurar o real valor daquilo que possuo a partir do momento que não mais o tenho.

Creio que a possibilidade da perda nos ensina a valorizar as pessoas, a fortalecer os relacionamentos. Sabedoria é reconhecer que nada é para sempre.

Há perdas que são resultantes de nossas decisões pessoais, e elas vão nos  ajudar a definir quem somos e o que queremos. É muito importante a celebração de um casamento, porque permite aos noivos  tomarem uma decisão sobre suas vidas. O “sim” que um promete ao outro, implicitamente é também um “não” à forma de vida de um descasado e aos antigos pretendentes – daí a dificuldade de muitos chegarem a este momento.  Entretanto, o nubente cheio de amor entende que aquelas perdas nada significam diante da pessoa que está à sua frente.

As perdas que advêm de uma decisão, sempre serão renúncias que fazemos em prol de algo maior. Albert Schweitzer, teólogo, médico, músico, e um dos maiores intérpretes de Bach, abriu mão de uma confortável vida na Europa, no início do século XX, para criar um hospital no coração da África e passar lá o resto de seus dias em meio à malária e a leprosos. O que ele perdeu nada significava para si.

É justamente isso que o apóstolo Paulo nos ensina ao dizer que aquilo que era lucro, passou a considerar como perda, por causa de Cristo. Ao comparar a suprema grandeza do conhecimento de Cristo, ele preferiu perder todas as coisas e as considerou como “lixo” (do Gr.skubalon: lixo, refugo, esterco) para poder ganhar a Cristo (Fp 3.7-8).

Há perdas que são benditas. Por exemplo, uma vida de fantasia e ilusão que se esvai entre os dedos. Agora podemos dizer à pessoa: seja bem-vindo ao mundo real, o único lugar onde você tem a chance de ser realmente feliz. A perda de um relacionamento doentio, marcado por agressões, ofensas e supressão da liberdade, pode se constituir em uma grande bênção, desde que saiba lidar com vazio que ficou no lugar. A princípio a dor é grande, mas depois se percebe que pode andar e respirar livremente. 

Encontramos na bíblia algumas perdas que são ganhos. A estéril Ana queria tanto um filho e chorou amargamente por anos na esperança de conceber. Finalmente, ao ser ouvida por Deus, deu à luz a Samuel. Podemos até imaginar o amor daquela mãe por este único filho. Entretanto, somos surpreendidos por sua decisão: “Quando for o menino desmamado, levá-lo-ei para ser apresentado perante o Senhor e lá ficar para sempre” (1Sm 1.22).

Aquele amor de mãe aceitou a perda do filho para consagrá-lo a Deus. De ano em ano ela fazia-lhe uma túnica e viajava até o templo para revê-lo.  Obviamente não foi uma decisão fácil para ela. Imagino que somente uma mãe que sonha com o seu filho, e não o tira da cabeça, é que pode fazer uma roupa do tamanho certo, mesmo sem vê-lo diariamente.  

A vida é assim, e em última análise nada temos ou possuímos. Tudo pertence a Deus. Jó aprendeu isso a duras penas, quando perdeu tudo o que possuía de mais precioso: “O Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21).

Tenho aprendido também que diante de perdas inestimáveis, não há palavra que explique ou console. Costumo fazer como aqueles três amigos de Jó, que diante do sofrimento, “sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noite; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” (Jó 1.13).

Perder sempre dói, e portanto não adianta dizer para não sofrer ou chorar. Aliás, chorar a perda é necessário, limpa a alma e ajuda a superar.

Quando perdemos alguém que nos é muito valioso, na verdade nunca o perdemos totalmente. De alguma forma ele continua vivo em nós, e fará parte de nossos pensamentos e sentimentos por toda a vida, pois aquela pessoa deixou uma marca, e por isso ela nunca desaparecerá. Há um lugar dentro de nós onde guardamos tudo aquilo que tem valor, mesmo que não exista mais, nem possamos tocá-lo, falar-lhe, ou ouvi-lo.

Tornamo-nos incapazes de viver bem quando o medo de possíveis perdas domina os pensamentos. A partir daí a vida se transforma numa constante fonte de preocupação, cuidado, e inquietação. E já não há mais tranqüilidade, ou descanso.

Para viver o evangelho em sua plenitude implica em perder. Quem “perde” a vida por causa de Cristo, ganha. Só o grão de trigo que cai no chão e morre pode produzir fruto.

Maturidade é saber perder. E na perda ganhar. Algumas perdas são necessárias, pois elas nos libertarão para aquilo que Deus quer nos acrescentar. Só quem permite estar de mãos vazias diante do Eterno, pode receber algo que as preencha. Creio que a fé em Deus tem a propriedade de nos ajudar a ocupar os vazios que carregamos na alma.

Por Pr. Daniel Rocha - dadaro@uol.com.br


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