"A arte de viver em meio a lama sem sujar as vestes..."
A garça é uma ave excepcional e diferenciada, espelhando sempre uma nobreza ímpar, como poucos animais têm. Ela cumpre a sua dieta predominantemente à base de peixes e outros bichinhos aquáticos, o que lhe faz estar sempre próxima da água e denunciando águas onde existem peixes. É de vôo cadenciado e lento, raramente ultrapassando a copa das árvores mais altas. Se tivesse a carne saborosa como as galinhas, dificilmente teria sobrevivido à Idade Média, onde a caçador era nobre, a caça benquista e o caçado troféu.
Mas o detalhe maior e mais chamativo das garças é a sua "alvura sacra", tão branca que às vezes chega a refletir o sol! E mais, é de uma tecedura tão sedosa que quase não pega sujeira, mesmo quando caça sapos pulando nos lamaçais!... Isto já foi tanto espanto para os homens primitivos, quanto o foi objeto de pesquisa para os ornitólogos modernos. Porém é na sua brancura estelar que reside o seu grande "misterium salutis", o qual deveria entronizá-la no alto da lista dos "animais sagrados". Ora; rolinhas, pardais, águias e corujas têm cores quase idênticas às cores das árvores e montanhas onde vivem; gafanhotos, esperanças e camaleões se mimetizam com perfeição invejável e os animais do Ártico têm todos cor branca, confundindo-se com a cor ambiente da neve. Mas a garça não: sua cor é tudo o contrário do que deveria ter um animal grande e frágil, que precisasse de um disfarce qualquer para não ser caçado.
A pergunta é: "Como um animal tão lento, tão desengonçado, de tamanho avantajado para uma ave, de asas tão pesadas (mesmo quando secas), de inocência tão flagrante, de inteligência tão curta, de confiança tão exagerada no recurso do vôo, e sobretudo, de plumagem tão vistosa e auto-denunciante, poderá ter sobrevivo desde os primórdios da história das aves? Como um animal assim, com todas essas características de fragilidade e desproteção, pode ainda estar vivo na Terra (e em quantidade tão abundante que quase não esteve presente nas famosas listas de animais em extinção?), quando tantos outros, mais fortes e mais protegidos, já se foram?... Mistério divinal!
Por Cris Corrêa